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6 de jul. de 2015

A PARAÍBA COMO EXEMPLO NA PROBLEMÁTICA DO SANEAMENTO E DA ÁGUA, SOB A ÓPTICA DE UMA AUTORIDADE MUNDIAL

Reserva de água na Paraíba é crítica

Engenheiro Sérgio Rolim diz que fatores socioeconômicos agravam problema e que educação é a solução

LUIZ CARLOS SOUZA

A Paraíba ocupa hoje o penúltimo lugar no Nordeste em reserva anual de água renovável. A situação é considerada crítica, segundo o sanitarista Sérgio Rolim Mendonça, autor de mais de 60 projetos elaborados nas áreas de Abastecimento e Tratamento de Água Potável, Saneamento e Tratamento de Águas Residuais Domésticas e Industriais, Drenagem Urbana, Irrigação e Meio Ambiente. Ex-Assessor em Sistemas de Águas Residuais para a América Latina e o Caribe da Organização Mundial de Saúde (OMS), Sérgio Rolim é Engenheiro Civil e Sanitarista, além de “Master of Science” em Controle da Poluição Ambiental pela Leeds University, Inglaterra. Nessa conversa com o Correio, ele analisa a situação brasileira na área sanitária, identifica problemas e propõe soluções, além de revelar dados alarmantes que o Brasil “precisará de 130 anos para chegar à universalização do saneamento, se continuar investindo no ritmo atual”.

A entrevista

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- PROFESSOR, ATÉ QUANDO AS GRANDES CIDADES VÃO SUPORTAR ESSA PRESSÃO PROVOCADA PELO CRESCIMENTO URBANO DESENFREADO NO QUE DIZ RESPEITO À QUESTÃO SANITÁRIA?

Para termos uma ideia desse crescimento basta observarmos que nascem aproximadamente 25 pessoas a cada minuto nos países desenvolvidos, enquanto que nos países subdesenvolvidos, nascem 240 pessoas por minuto (grandemente influenciados pela China e Índia). A população mundial já alcançou 7,3 bilhões de pessoas e poderá chegar à espantosa cifra de oito bilhões em 2025. O controle populacional é uma das maneiras de diminuir essa pressão.

- E O BRASIL?

Estima-se que o Brasil concentre entre 12 e 16% do volume total de recursos hídricos do planeta Terra e que um pouco mais de 50% dos recursos hídricos renováveis do mundo se encontrem na América Latina e no Caribe. Possui um dos maiores recursos hídricos renováveis do mundo (45.000 metros cúbicos anuais por habitante), embora 16,7% da área do país esteja situada no Semiárido no Nordeste. Entretanto, esses recursos não são distribuídos de forma homogênea e encontram-se ameaçados por fatores socioeconômicos diversos. A população brasileira atual é da ordem de 203 milhões de habitantes.

 - PARA O FUTURO, O QUE SE VISLUMBRA?

A sorte é que nosso país tem uma taxa de crescimento populacional muito baixa, menos de 1% ao ano, cuja população deverá decrescer depois do ano 2050, segundo projeções da ONU. Mesmo assim, precisará de 130 anos para chegar à universalização do saneamento, se continuar investindo no ritmo atual, de acordo com as últimas previsões.

- COMO ESTÁ A SITUAÇÃO DE SANEAMENTO NO BRASIL?

Segundo o último levantamento do Sistema Nacional de Informações (SNIS) com dados de 2013, 83% da população brasileira é abastecida por meio de rede de água e 49% possui rede coletora de esgotos. Nas áreas urbanas, só 69% dos esgotos é coletado e desse total somente 39% recebe tratamento adequado. Em termos absolutos, existem ainda nas áreas urbanas do país, 35 milhões de brasileiros sem acesso a água segura e 103 milhões de pessoas sem redes coletoras de esgotos. Quanto aos 31 milhões de habitantes das áreas rurais, existe muito pouca informação a respeito.

- E EM JOÃO PESSOA?

A população de João Pessoa conta atualmente com um pouco mais de 800 mil pessoas. O município é praticamente urbano, possuindo uma cobertura de abastecimento de água de boa qualidade que atende a 96% da população urbana, porém com apenas 49% da população servida com redes de esgotamento sanitário e só 29% do esgoto coletado razoavelmente tratado.

 - O QUE ACONTECERÁ COM A REDE DE ESGOTOS EM NOSSA CAPITAL DEVIDO À CONSTRUÇÃO DESENFREADA DE EDIFÍCIOS COM CERCA DE 50 ANDARES OU MAIS, PRÓXIMOS UNS DOS OUTROS?

As redes coletoras funcionam por gravidade. A partir de uma determinada profundidade (normalmente não deve exceder a quatro metros), o esgoto terá que ser bombeado para poder recuperar o nível inicial. Vai depender da topografia de cada cidade. João Pessoa, por ser uma cidade plana, necessita utilizar várias estações elevatórias de esgotos em série, para que as águas residuais cheguem ao destino final. A concentração urbana normalmente não prejudica o funcionamento dos coletores e emissários de esgotos. Os tubos têm bastante folga para esse grande acréscimo de vazão. O maior problema são as estações elevatórias. As bombas e motores são dimensionados para uma determinada vazão máxima.

- E SE A VAZÃO EXTRAPOLAR ESSE VALOR, DEVIDO À GRANDE CONCENTRAÇÃO DE HABITANTES EM UMA DETERMINADA ÁREA, O QUE ACONTECERÁ?

As elevatórias não poderão recalcar toda essa vazão, e parte desse esgoto sem nenhum tratamento poderá retornar para a rede coletora até chegar às residências, ir para as galerias de águas pluviais existentes ou poluir e contaminar diretamente um curso de água por meio de um extravasor (tubo instalado no poço de sucção da elevatória para evitar seu transbordamento por algum motivo). A solução técnica é bastante demorada e sua execução lenta e onerosa. Para que se tenha uma ideia da magnitude desse problema, a rede coletora de João Pessoa possui atualmente 63 estações elevatórias de esgotos.

- O QUE O SENHOR CONSIDERA COMO A PROVIDÊNCIA MAIS URGENTE A SER TOMADA NA ÁREA DE SANEAMENTO?

A administração de uma empresa eficaz deve ser efetuada por meio de metas e resultados. Atualmente, os diretores e gerentes são nomeados por grupos políticos de cada região, visando apenas interesses particulares e pessoais de cada um deles fazendo com que os funcionários de carreira não tenham a menor chance de influenciar (no bom sentido) no destino das empresas para as quais trabalham. Por outro lado, a grande maioria dessas empresas está inchada com o dobro dos recursos humanos que necessita; muitos deles não possuindo a mínima capacitação para seu trabalho. Infelizmente a meritocracia é muito pouco levada a sério na ocasião de nomear seus dirigentes pelos políticos de plantão.

- OS RIOS E OUTROS RECURSOS HÍDRICOS RESISTIRÃO A ESSE VOLUME, POR EXEMPLO, DE ESGOTO JOGADO DIARIAMENTE EM SUAS MARGENS?

Mais de 90% dos esgotos da América Latina e do Caribe são despejados sem nenhum tipo de tratamento nos rios, mares, lagos e terras agrícolas e cerca de pelo menos três milhões de hectares de terras agrícolas são irrigadas com águas residuais contaminadas com patógenos, gerando graves problemas de saúde pública e poluição ambiental. O Brasil gera diariamente mais de 200 mil toneladas de resíduos urbanos (lixo) e mais de 60% são despejados em lixões sem nenhum controle sanitário e muitos desses dejetos são lançados nos rios e mares. Menos de 40% dos resíduos sólidos são tratados em aterros sanitários.

 - COMO A POPULAÇÃO PODE COLABORAR PARA SE ENFRENTAR ESSE PROBLEMA?

Começa pela educação nas escolas. A partir dos primeiros anos escolares, as crianças devem ser orientadas continuamente a proteger o meio ambiente, a fazer uso eficiente da água, a depositar lixo em locais adequados, a proteger as florestas e bosques, incluindo a fauna e a flora, e aprender que, para compensar a natureza, as bacias e microbacias hidrográficas necessitam ser reflorestadas para ajudar a proteger as fontes de água.

- QUE INICIATIVAS PODERÃO AMENIZAR ESTA SITUAÇÃO?

Em Israel, por exemplo, o tratamento do esgoto é compulsório. O tratamento mais utilizado nas pequenas e médias cidades são os sistemas de lagoas de estabilização que são sistemas muito populares no país hebreu. Os ovos de helmintos e cistos de protozoários não são removidos por nenhum processo sofisticado de tratamento de esgotos. Entretanto, os sistemas de lagoas de estabilização são um dos métodos mais econômicos e eficazes que existem para tratar o esgoto doméstico nos países de clima tropical, cuja maior vantagem em relação aos outros tipos de tratamento é sua economia e a maior eficiência na redução, de maneira natural, desses patógenos.

- QUE EXEMPLOS ALGUMAS CIDADES, EM OUTROS PAÍSES, PODEM DAR NO TRATAMENTO DESSA QUESTÃO?

Atualmente cerca de 75% dos esgotos de Israel são reaproveitados para fins agrícolas. Trata-se da maior taxa de utilização de águas residuais tratadas no mundo. A Espanha, que ocupa o segundo lugar, utiliza apenas 12% de suas águas residuais tratadas na agricultura. Um excelente exemplo está na Argentina. Os efluentes dos sistemas de esgotos domésticos da cidade de Mendoza são tratados por um sistema de lagoas de estabilização com área de 2.300 hectares que irriga hortaliças, melões, árvores frutíferas, bosques, pastos, 120 hectares de alcachofra e 500 hectares de vinhedos, onde são produzidos inclusive, os excelentes vinhos tintos da famosa uva Malbec.

- A AGRICULTURA UTILIZA UMA ENORME QUANTIDADE DE ÁGUA NA IRRIGAÇÃO. DE QUE MANEIRA PODERÍAMOS DIMINUIR ESSE CONSUMO?

A agricultura usa cerca de 70% da água doce para irrigação e, sua maior parte, com muito desperdício. Irrigação por aspersão ou gotejamento, poderá diminuir esse alto consumo. Porém, cada metro cúbico de água usado pela indústria e pelo setor de serviços gera pelo menos 200 vezes mais riqueza do que um metro cúbico usado para agricultura. Com a grande escassez de água prevista principalmente nas regiões áridas e semiáridas do planeta, os recursos hídricos automaticamente serão direcionados para as áreas urbanas. A tendência no futuro deveria ser e “terá que ser”: água doce para as cidades e esgotos domésticos tratados para a agricultura. Mais cedo ou mais tarde teremos que usar o esgoto doméstico tratado na agricultura. O Semiárido do Nordeste agradecerá.

- COMO O REUSO NA AGRICULTURA POR MEIO DE ESGOTOS TRATADOS SERÁ POSSÍVEL SE NÃO HÁ INTERESSE DAS EMPRESAS DE SANEAMENTO?

 Até agora quase nada foi feito no Brasil para incentivar o reuso dos esgotos domésticos tratados na agricultura. A natureza não respeita fronteiras políticas, por isso, deve haver integração ao nível dos ecossistemas e as ações intersetoriais necessitam de novos enfoques para legislação, orçamento e finanças, além de desenvolvimento de recursos humanos. Para a melhoria da saúde ambiental as ações necessitam começar desde o nível da comunidade e ser construído de baixo para cima, de modo que as decisões sejam baseadas na avaliação, prevenção e redução de riscos ambientais para a saúde humana. Só existe uma maneira de atacar esse problema. Por meio de alianças. Os setores de Saúde e Ambiente devem trabalhar juntos e sempre em conjunto com outros setores, especialmente energia, indústria, agricultura e infraestrutura. Para isso, alianças com a sociedade civil e o setor privado são essenciais para que haja sinergia e recursos necessários para ações integradas.

- COMO ESTÁ SITUADA A PARAÍBA EM RELAÇÃO ÀS SUAS RESERVAS DE ÁGUA?

A Paraíba cuja reserva anual de água renovável é estimada em 1.400 m3 por pessoa, ocupa o penúltimo lugar no Nordeste. Considera-se que uma determinada região está com “água no limite” quando a reserva anual de água renovável está abaixo de 1700 m3 por pessoa. Nesse caso, a situação da Paraíba é considerada crítica.

- ALÉM DA QUESTÃO SANITÁRIA TEMOS O PROBLEMA DA SECA, O QUE AGRAVA MAIS AINDA A QUALIDADE DA ÁGUA. A TRANSPOSIÇÃO DE ÁGUAS, COMO A DO SÃO FRANCISCO, É A MELHOR SOLUÇÃO?

No polígono das secas no Nordeste, a dimensão do problema é ressaltada por um anseio, que já existe há 75 anos, com a transposição do Rio São Francisco, visando o atendimento da demanda dos estados não limitados com a região semiárida, situados ao norte e a leste de sua bacia de drenagem. O estudo para a transposição do rio São Francisco tem gerado muita polêmica. Embora não seja especialista no assunto, creio que a implantação influenciará consideravelmente na melhoria da qualidade de vida do povo nordestino.

A grande vantagem é que muitos municípios poderão contar, a partir dessa nova oferta hídrica, com a implantação de serviços de abastecimento de água e sistemas adequados de esgotos sanitários para a população urbana.

- EXISTE ALGUM PROGRAMA EM CURSO ORIENTADO PARA A REUTILIZAÇÃO DE ÁGUAS DE ESGOTOS TRATADAS NO NORDESTE?

Já existe na Bahia uma proposta de programa para a revitalização do Rio São Francisco (PRSF). Depois de concluída a transposição, esse programa deverá incluir:

a) ampliação da oferta de água para a irrigação;
b) implementação de projetos de reuso em escala plena;
c) incentivo de desenvolvimento e pesquisas sobre o tema; d) geração de emprego e renda;
e) redução de custos de tratamento de efluentes;
f) contribuição com a Política Nacional de Agroenergia.


- QUANDO SERÁ LANÇADO SEU PRÓXIMO LIVRO?

No final de novembro será lançado pela editora paulista Edgard Blücher, nosso oitavo livro técnico intitulado “Sistemas Sustentáveis de Esgotos”. Nele estão incluídos detalhes de engenharia e de gestão de como utilizar esgotos sanitários tratados para irrigação na agricultura por meio de lagoas de estabilização.

- QUE MENSAGEM O SENHOR DIRIGIRIA PARA AS NOVAS GERAÇÕES?

Gostaria de passar para as futuras gerações o resumo de uma historinha que li há muito tempo. “Seria tão bom se pudéssemos acordar um dia em uma manhã ensolarada e passear embaixo das árvores, observando os pássaros e caminhando ao lado de arroios cristalinos e, cada vez mais, nos sentíssemos pessoas de sorte. Nossos pais nos contaram histórias sobre os velhos tempos, antes que a humanidade aprendesse a proteger a terra e a água, e a utilizar o poder do vento e do sol. Eram tempos obscuros quando os bosques morriam, os rios secavam e milhões de pessoas morriam de fome. Não há mais necessidade de pensar nisso agora. É tão bom estarmos vivo”.

Transcrito do jornal:

“Correio da Paraíba”, Entrevista, Paraíba Domingo, 05 de julho de 2015 / A7 

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